rafael tahan

RAFAEL TAHAN

ALGUMA FISIONOMIA
A Aline Bei e Vagner Camilo

antes de ganhar a natureza
        (conforme sua própria índole)
desçamos primeiro das árvores equilibrando
      o corpo ainda sobre duas patas
(articulado o mais delicado toque conquistamos os polegares)
colher fruto a fruto: ganhar o tato: sentir à ponta dos dedos qualquer superfície que revele as extremidades: vida ou morte:

um pássaro que tem de conquistar seu voo a cada instante
e tem a asa amputada: é feio, vivo e inútil
devemos ainda nomeá-lo pássaro?

sobre o corpo desplumado
(polegar em riste)
         devolvemos
ao pássaro alguma fisionomia apenas arrancando-
lhe abruptamente a última asa

 

SOME PHYSIOGNOMY
To Aline Bei and Vagner Camilo

before acquiring nature
        (as its own quality)
we shall get down from the tree balancing
     the body yet under two paws
(the most delicate touch articulated, we achieve the thumbs)

reaping fruit to fruit – acquire the tact – feeling on the fingertips any surface revealing the extremities – life or death –

a bird that must achieve its flight at every instant
and has its wing exscinded, it is ugly alive and useless
shall we yet name it bird?

Over the plunked body
(straight thumb)
      we give back
some physiognomy to the bird scarcely
plucking its last wing.

 

CALENDÁRIO

I
Não reconheço a árvore
senão do contingente aceno
dos galhos à lutuosa queda
das folhas

de tempo em tempo

senão do programático despen
car dos frutos ao lento cicatrizar
das cascas

II
a árvore
    nunca a alcanço a haver
conquanto o mesmo velame fixado no horizonte
e a foice em riste e a engenhosa castração dos frutos ;
           nem chegam a sentir a lavradura
a língua estéril , algo lógica algo esfíngica
cinde ante o corpo, este domínio inútil: sempre
o mesmo destino? Rio a vingar-me de Heráclito.

III
Recorda-se que, no futuro, quando os
atormentados galhos se entrelaçarem
revelando-se na mais ordinária forma, toda vez,
sob um varal de piso à sombra dos cobertores
repousará, dentro de uma caixa, um gato vivomorto.

 

CALENDAR

I
I don’t notice the tree
but from the branches’ uncertain
wave to the leaves’ grueling
fall

from time to time

but from the programatic fall-
ing of the fruits to the shells’ slugish
healing.

II
The tree
     I never reach to have it
although the same canopy fixed on the horizon
and the sickle straight and the fruits castration skillful
          do not even feel the lavender
the sterile language, somewhat logical somewhat sphinxical,
split up facing the body, this useless domain;
always identic destiny? I creak getting back at Heraclitus.

III
Remember that, in the future when the
tormented twigs intertwine revealing
themselves at the most ordinary form, everytime under a
clothesline under the shadow of the blankets, and undead cat,
inside a box, will rest.

 

OUVIDOS NO CHÃO

um batalhão de homens
marcha sobre a terra

no inverno
a terra repousa sobcolor das cascas
sob a promessa sazonal dos frutos
             [sobretudo os mais amargos
os corpos nus das árvores lembram ora bétulas
ora álamos

não há colheita fora de estação
(das 00 às 4)

se pisar na merda

– índice escatológico
que se converte em
sinal de riqueza –

mantenha os
      ouvidos no chão

que guardem as cinzas

 

EARS ON THE GROUND

a battalion
marches upon the soil

in the Winter
the soil rests under the rinds’ color
under the fruits’ seasonal promise
                [mainly under the sourest ones
the trees naked bodies remind either birches
or poplars

there’s no unseasonable harvesting
(from 00 to 4)

if you step on the crap

– schatologic index
converts into
richness signal –

keep the
      ears on the ground
may they save the ashes.

 

DIAGRAMA SONORO PARA REGISTRO AFETIVO
A R. M. e M.

um pra esquerda
um pra esquerda dois
um pra esquerda dois pra direita um
pra esquerda. Par ímpar par
ímpar par:

um pra trás pra trás
um; dois pra trás
um pra esquerda
dois pra trás um pra esquerda
dois pra frente dois pra trás
dois pra esquerda:

um um um um
      um dois; um dois ? Dois três :
andante cantabile
um dois (três) um dois (três) um dois
três! Um dois (três) um dois (três) um dois
três! Um dois (três) um dois (três) um dois
três! Um dois (três) um dois (três) um dois
três três três três três

f
               rallentando
um dois um dois um dois um dois um dois
dim.

 

SOUND DIAGRAM FOR AFFECTIVE RECORDING
to R. M. & M.

one to the left
one to the left two
one to the left two to the right one
to the left. Even odd even
odd even,

one to the back to the back
one; two to the back
one to the left
two behind one to the left
two forward two to the back
two to the left,

one one one one
      one two; one two? Two three,
andante cantabile
one two (three) one two (three) one two
three! one two (tree) one two (tree) one two
three! one two (tree) one two (tree) one two
three! one two (tree) one two (tree) one two

three three three three three

f
               rallentando
one two one two one two one two one two
dim.

—translated by matheus bueno and rodrigo bravo

Rafael Tahan (1989) is a poet and literary critic. Born in São Paulo, he majored in language and literature at the University of São Paulo. In addition to writing Diálogo published in 2015, he is editor of Opiniães review, specializing in Brazilian literature.