MARÍLIA GARCIA
UMA EQUAÇÃO NO HYDE PARK / AN EQUATION IN HYDE PARK
AN EQUATION IN HYDE PARK
its raining in
hyde park today
and I am on the
other side of the
hemisphere sitting
in the sun with a
cat between my feet
that are bare
and slightly reddened.
its raining in
hyde park today
and i remember
having walked in a
park of square/d angles
with a boy from the green
box who liked to count
until 24 after crossing
the railing.
its raining in
hyde park today
and i could tell that my
heart had been ripped out
through my mouth and
that was forgotten
about a stone
still hot
with blood.
yes, its raining
in hyde park
i already descended
to hell
one or two
or
three
but he
will rise
crossing the curves,
the belvedere, the blimps’ airspace
— there is a world to come?
he asks before passing
and takes in hand
a tape recorder
and we cross our eyes
and I don’t remember
anymore
this day
but after the
same view
returns to memory
like the interference
of a voice coming out
of a moving car
down the slope.
it’s raining in
hyde park and that pair
of eyes meets mine,
and this crossroads
of eyes distracts me
for a moment
from the equation.
UMA EQUAÇÃO NO HYDE PARK
está chovendo no
hyde park hoje
e estou do outro
lado do hemisfério
sentada ao sol
com um gato
entre meus pés
que estão descalços
e levemente
avermelhados.
está chovendo no
hyde park hoje
e lembro de ter
andado num parque
de ângulos quadrados
com o menino da caixa
verde que gostava de contar
até 24 depois de cruzar
o gradil.
está chovendo no
hyde park hoje
e podia contar que meu
coração tinha sido arrancado
pela boca e que estava
esquecido sobre uma pedra
com o sangue
ainda quente.
sim, está chovendo
no hyde park
e ao inferno
já desceram
um ou dois
ou
três
mas ele
há de subir
atravessando as curvas,
o belvedere, os espaços dirigíveis
“ogni speranza lasciate
voi che entrate”
— há mundo por vir?
ele pergunta antes de passar
e leva na mão
um gravador
e nós cruzamos o olhar
e não lembro mais
“ogni speranza lasciate
voi che entrate”
desse dia
mas depois o
mesmo olhar
volta à memória
como a interferência
de uma voz saindo
do carro em movimento
pela ladeira.
está chovendo no
hyde park e aquele par
de olhos encontra os meus,
e esse cruzamento
de olhares me distrai
por um momento
da equação.
—translated by sean negus
A GAROTA DE BELFAST ORDENA A TEUS PÉS ALFABETICAMENTE / THE GIRL FROM BELFAST ALPHABETIZES AT YOUR FEET
THE GIRL FROM BELFAST ALPHABETIZES AT YOUR FEET
98 spins around the park and she falls
in circles upon her own weight
98 times she said: one could get the impression or not
of something definitive. like the girl from belfast,
her memories folded like a parachute
inside the fabric electrified by static
while she spoke she descended
the side stairs slicing the clatter
of the orchestra. the bicycle wheel
loops like music reducing her
reflexes to dust in the air and six hours standing
at the drain, one could get the impression or not, seated at the edge of
the room. she looks from afar as the car
passes by, goes out at night on the trails
when everything is vengeance
talks about bridges while crossing the tunnels
of the city and puts at your feet
in alphabetical order
camera sweeping the surface
cheat consoled
correspondence
drinking tea, nearly to the brim
evening surrounds the city
hope
intimacy was theater
. . .
i think you’re lying
open your mouth, beloved
opened the curtain
pain
the voice unrecorded on the mountains
one could get the impression or not it was her voice in mountain view
at a speed of 1 km/hour or a thousand. before
returning to ireland she had already begun to forget. she understands
that only after the security glass crumbled
against her head, only a few seconds till her head
against the glass, but it was just
part of the route, no way to count the nights or tracks
she would travel.
“extracting the audio from a frozen
image” was the label she fixed to the walls
to learn to reach the right place at the right time
in the background the voice through the opening
to arrange this book:
mouthwatering
now a bit emotional
now i’m a professional
now it’s your turn
now the wrong way
now we’re in motion
pricks of a needle
that’s enough now
water
or vertigo up high. you could wake thirty years
later with the image even more vivid
when the room is blind
autobiography. no, biography
blue I leave the keys loose on the terrace
blue that does not frighten me
crosses the bridge
crosses the endless bridge
crosses various city tunnels
I’m letting you know I’m becoming an airplane
letters
letters, when they arrived
magnifying glasses give up
wings beating
women and children
Translator’s Note: In this poem, the main character from Joseph Brodsky’s “Belfast Tune” organizes lines from poet Ana Cristina César’s 1982 volume, A teus pés (At Your Feet), in alphabetical order. The poem was written in memory of César on the 25th anniversary of her death.
A GAROTA DE BELFAST ORDENA A TEUS PÉS ALFABETICAMENTE
98 voltas pelo parque antes de cair em
círculos sobre o próprio peso
98 vezes dizia o mesmo:
você pode ou não pensar em algo
definitivo. parecia a garota de belfast com
sua memória dobrada como um paraquedas
dentro do tecido eletrizado.
enquanto falava descia a
escada lateral recortando os ruídos
da orquestra. a roda da bicicleta
girava em loop esfarelando os
reflexos no ar e seis horas parada diante
do ralo, pode ou não pensar em algo, sentada na beira do
quarto. olha de longe quando o carro
passa, desce à noite pelos trilhos
quando tudo é uma vingança
fala de pontes atravessando os túneis
da cidade e ordena a teus pés
alfabeticamente
a anoitecer sobre a cidade
a câmera em rasante
a correspondência
a curriola consolava
a dor
a espera do café
a gana de procurar
a intimidade era teatro
…
a tomar chá, quase na borda
a voz em off nas montanhas
abre a boca, deusa
abria a cortina
acho que é mentira
pode ou não pensar que era sua voz em mountain hill
a uma velocidade de 1 km/h ou mil. antes
de voltar para a irlanda já começara a perder. entende
que só depois de o blindex esfarinhado contra a
cabeça, só em poucos segundos até que a cabeça
contra o blindex, mas isso era apenas parte
do trajeto, não tinha como calcular as noites ou linhas
em que passaria.
“como extrair o áudio de uma imagem
congelada” essa era a etiqueta que colava nas paredes
para tentar descobrir como chegar com precisão
e ao fundo a voz pela fresta
a ordenar este livro:
agora nessa contramão
agora chega
agora é a sua vez
agora estamos em movimento
agora pouco sentimental
agora sou profissional
água
água na boca
agulhadas
ou vertigem das alturas. você pode acordar trinta anos
depois com a imagem ainda mais viva
quando o quarto está às cegas
as cartas
as cartas, quando chegavam
as lupas desistem
as mulheres e as crianças
asas batendo
atravessa a ponte
atravessando a grande ponte
atravessa vários túneis da cidade
autobiografia. não, biografia
aviso que vou virando um avião
azul deixo as chaves soltas no balcão
azul que não me espanta
—translated by hilary kaplan
O QUE ELA VÊ QUANDO FECHA OS OLHOS? / WHAT DOES SHE SEE WHEN SHE CLOSES HER EYES?
WHAT DOES SHE SEE WHEN SHE CLOSES HER EYES?
What does she see when she closes her eyes?
The cinema is 24 times the truth per second
This second can be 24 times her face
When you close your eyes and see
O QUE ELA VÊ QUANDO FECHA OS OLHOS?
o que ela vê quando fecha os olhos?
o cinema é 24 vezes a verdade por segundo
este segundo poderia ser 24 vezes a cara dela
quando fecha os olhos e vê