frederico klumb &

FREDERICO KLUMB & RICARDO DOMENECK

OS AFAZERES / THE CHORES

THE CHORES (by ricardo domeneck)

It is our job now to stay that there will be
a rebirth of lemongrass, boldo, and mint
for the kidneys, liver and the intestines of the family
already half-dead, even though salt was sprinkled
over the earth in the yard taken by the lender,
and it is said in a rhythm conducive to a lullaby.

And it is the grandmother’s hands that will break
the neck of the chickens homegrown for the pirão,
that will feed the women of the reservation for days
who give birth compensating the family for funerals,
even though those wrinkles remain only carpals
and white metacarpals of calcium in the clan’s tomb.

And that the dead grandfather will return in dreams
to gripe until the national flag changes color
with these denatured people who never tire
of giving disgust to their ancestors who crossed
oceans not only for disgrace, changing passports
with vegetation in the background.

And it is our job to say that the abducted grandparents
from beyond the sea will free themselves in our bodies

And that the ancestors on this side of the Atlantic
Will recover their shares of black earth,
And together, between the mint, the boldo, and the lemongrass,
hand-in-hand, the cups of health that will elide us.

OS AFARZERES (por ricardo domeneck)

É o nosso trabalho dizer agora que hão-de
renascer o capim-cidreira, o boldo e a hortelã
para os rins, os fígados, os intestinos da família
morta já pela metade, ainda que se espargira sal
sobre a terra dos quintais tomados pelo agiota,
e o dizer em ritmo propício à canção de ninar.

E que as mãos da vó quebrarão o pescoço
dos frangos caseiros para o pirão, que há-de
alimentar por dias as mulheres de resguardo
que ao dar à luz indenizaram a família por velórios,
mesmo que daquelas rugas restem só carpos
e metacarpos brancos de cálcio no jazigo do clã.

E que o vô morto voltará em sonho para ralhar
até a bandeira nacional mudar de cor
com estes desnaturados que não se cansam
de dar desgosto a seus antepassados
que cruzaram oceano não só para a desgraça
trocar de passaporte e vegetação ao fundo.

E é nosso trabalho dizer que os avós sequestrados
d’além mar hão-de alforriar-se em nossos corpos

e que os antepassados deste lado do Atlântico
hão-de reaver seus quinhões de terra preta,
e juntos, entre a hortelã, o boldo e o capim-cidreira,
de mão em mão as xícaras da saúde que nos elide.

—translated by sean negus
FREDERICO KLUMB

AGHARTA

AGHARTA (by frederico klumb)

I.

there’s a banner in the subway:

jesus died
there was upheaval
and like nil
he fell like a stone

as one falls
as a fruit
from a treetop

as a leaf falls:
floating in open drop
in a moment lasting
all trunk

as one falls
from the inverse of hard
from an ethereal and molded limp
gliding the air
pluming
the air
in the effort to become green
and join the dirt
and become trunk
and become treetop
and become green

Thinking is Über naive und sentimentalishe dichtung

All of the times you opened the apartment’s door
the instant sound of life stood still
the sounds I could explain
even without understanding all
even without apprehending what was
the newsstand man’s yell next to a fast food place
because someone took the paper that morning
and forgot to pay for the news that also
belong to him
as they belong to me
and belong to you
for here we are in this here town

but what happens is that on those times
there is always some kind of rumba playing along

sad
sweet
then
swift

a lingering boo
which is what testifies against you
while you move as if there was sound

I did not know someone could move with
grace
even though there was no music

but what happens is that on those times
the retina announces idle
to make the image speakable
you suffice in dancing

while I chew on hard rubber
that forces my jaws to forge

a smile I am sure is not mine

I hold your hand in the dark on a window’s edge
there’s a mist in the sky
it pours over the trees
some substance of your face

I only see your body’s hair through the reflex
of the glass you lean on

through patches of skin you decided to
tattoo
where now they grow back rehabilitated
to social life

I try to lie on the floor
feel the cold rug
that would let me stay here
as long as I wished

my body squats afloat
only my feet touch the ground

I try to reach my bed of nails
let myself go into the roof furnished with stars
but the mist won’t let me
it surrounds my head

You said
I like
being like a witch, in a way

I like
when people are like that to me

you said

I don’t know if sweetness is
what matters most
I don’t know if she screams at me
this faceless way of being sweet
I don’t know if I like the scream I
see
I don’t know if I want to see something
or picture you locked in a room
talk to you behind this light

I open the door I don’t see your
face
I see a mirror
that you hold naked
I scream on the reflex
I can’t hear

There’s too much glitch in our communication

ambiguity
and mixed liquids
which same liquid are not
like corner store bought cheap red wine
in an expensive bottle with leftover
lilac
lost trails of time
even of a minute

and what’s left of the leaf, former grape that fell
as a leaf falls
as a fruit falls
as does fall
all that falls
and the ledger of laughs
of a drunken laughter

Next stop Largo do Machado.

at 1400 the children dance
awkward
as they can
it´s not really
clumsiness

children don´t have the malice
of knowing if they dance well or not

follow with their hands
arms legs necks
forwards
backwards
head
from one side
and another

I read in a book the commandments are ten
because there´s only ten fingers in our hands
the following orders being left to the feet

AGHARTA (por frederico klumb)

I. A carne fria das coisas

Há um banner na estação do metrô:
morreu Jesus
houve um alvoroço
e qual nada
caiu como pedra

como se cai uma fruta
de copa de árvore

como se cai uma folha:
flutua em queda franca
num momento que dura
todo tronco

como se cai
do inverso do duro
dum mole etéreo e plasmado
planando no ar

plumando

o ar
no esforço de tornar-se verde
e juntar-se à terra
e tornar-se tronco
e tornar-se copa
e tornar-se verde

Pensar é Ü ber naive und sentimentalishe dichtung

Todas as vezes que você abriu a porta
do apartamento

parou de tocar o som imediato da vida
os sons que eu podia explicar
mesmo sem compreender todos
mesmo sem apreender o que era
o grito do jornaleiro ao lado de um fast food
porque alguém levou o jornal de manhã
e esqueceu de pagar pelas notícias
que também lhe pertencem
como pertencem a mim
e pertencem a ti por estarmos aqui
nessa cidade.

mas o que acontece é que nessas horas
sempre toca uma espécie de rumba
triste
doce
depois
veloz

uma vaia lenta
que é o que depõe contra você
enquanto você se move
como se houvesse som

eu não sabia
que alguém podia se mover com graça
embora não houvesse música

mas o que acontece é que nessas horas
a retina anuncia inútil
tornar a imagem dizível
te basta dançar
enquanto eu mastigo uma borracha dura
que força meus maxilares a forjarem
um sorriso que eu tenho certeza
que não é meu.

II. Uma carruagem negra no canto dos olhos

Eu seguro a tua mão no escuro
na beira da janela
há uma névoa no céu
ela entorna sobre as árvores
alguma substância do seu rosto
eu só vejo seus pelos
pelo reflexo do vidro
em que você se apoia
nos intervalos da pele
em que você decidiu fazer uma tatuagem
onde agora eles crescem de volta
reabilitados para a vida em sociedade

tento deitar no chão
sentir o tapete frio
que me autorizaria a ficar aqui
o tempo que quisesse

meu corpo flutua acocorado
só meus pés tocam o piso

tento alcançar minha cama de pregos
me entregar ao teto munido de estrelas
mas a névoa não deixa
ela envolve minha cabeça

você disse:
eu gosto
dessa coisa de ser meio bruxa

você disse:
eu não sei se a doçura é
o que mais importa

eu não sei se
ela grita para mim
essa doçura que não tem rosto
eu não sei se gosto
do grito que vejo
eu não sei
se quero ver alguma coisa
ou imaginar você trancado num quarto
me comunicar com você por trás dessa luz

eu abro a porta do quarto
eu não vejo seu rosto
eu vejo um espelho
que você segura nu
eu grito no reflexo

e não consigo ouvir

III. Movimento

Há muita falha em nossa comunicação

ambiguidade
e líquidos misturados
que mesmo líquido não são
como um vinho faísca de trinta reais
na garrafa cara
com restos de roxo
rastros do tempo
mesmo de um minuto

e resquícios da folha que era uva e caiu
como se cai uma folha
como se cai uma fruta
como se cai
tudo que cai
e registros de riso
de uma gargalhada embriagada

Próxima estação Largo do Machado

Às 14 as crianças dançam
desajeitadas
como podem
não é de fato
desengonço
crianças não têm essa malícia
de saber se dançam bem ou não

acompanham com as mãos
braços pernas pescoço
pra frente
pra trás
cabeça
de um lado
do outro

Li num livro que os mandamentos são dez
porque só há dez dedos nas mãos
restando as ordens seguintes aos pés.

—translated by lucas van hombeeck
Frederico Klumb is a writer and filmmaker. Born in Rio de Janeiro in 1990, he graduated in Cinema from PUC-RJ and is currently studying for a master’s degree in Literature at Universidade Federal Fluminense (UFF). Published Máquinas mancas da manhã, by Garupa publishing house, cinema circular e Bichos contra a vontade (finalist of the Jabuti 2020 award), os dois últimos by the publisher 7letras. He participated in anthologies, collaborated with magazines such as Modo de usar & Co, Escamandro and Saccades. Klumb showed the short film “Agharta” at the Hamburg International Short Film Festival.
Lucas van Hombeeck is a poet and holds a master’s degree in Sociology of Culture, Symbolism and Language from PPGSA/UFRJ. He is a member of the Experimental Poetry Workshop (OEP), was published in the 2017 Almanaque Rebolado (Azougue/Garupa/Cozinha Experimental). He is also the author of Nuvens [na seção de congelados] (7letras, megamíni) and Pará ocidental.