FERREIRA GULLAR
TRANSLATING ONESELF
A part of me
is every one:
another part, no one:
ground without ground.
A part of me
is multitude:
another part, odd
and solitude.
A part of me
ponders, probes:
another part
outraves.
A part of me
lunches and dines:
another part
shivers.
A part of me
is permanent:
another part
knows it’s transient.
.
A part of me,
pure anguish:
another part,
language.
Translating one part
into another part
– a matter of
life or death –
could that be art?
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
—translated by tal goldfajn
MINHA MEDIDA
Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
Meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o dia
medido mais pelo pulso
do que
pelo meu relógio de pulso
Meu espaço — desmedido —
é o nosso pessoal aí, é nossa
gente,
de braços abertos tocando a fímbria
de uma e outra fome,
o povo, cara,
que numa das mãos sustenta a festa
e na outra
uma bomba de tempo.
MY MEASURE
My space is the day
with arms wide open
touching the dust of one and another night
the day
swirling
tied to the planet
lifting dawn on one of its hands
and on the other
Buenos Aires’ twilight
My space, dear,
is the terrestrial day
both the birds of the sea
and the wagons of Brazil’s Central Railroad carry it
the day
measured more by the pulse
than
by my watch
My space — unmeasured —
is our folk, our
people,
with open arms touching the dust
of one and another hunger,
the people, dear,
who lifts on one hand the feast
and on the other
a timebomb.
MY PEOPLE MY POEM
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta
MY PEOPLE, MY POEM
My people and my poem grow together
as does in the fruit
the new tree
My poem is born in the people
as in the sugar-cane fields
sugar is born green
My poem is ripe in the people
as the sun
in the throat of the future
My people in my poem
is reflected
as the cob melds in fertile land
To the people its poem I return
less as who sings
than as the plant
SUBVERSIVA
A poesia
quando chega
não respeita nada.
nem pai nem mãe.
Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
relincha
como puta
nova
em frente ao Palácio da Alvorada.
e só depois
reconsidera: beija
nos olhos os que ganham mal
embala no colo
os que têm sede de felicidade
e de justiça.
E promete incendiar o país.
SUBVERSIVE
Poetry
when it comes
doesn’t respect anything
neither father nor mother.
When it arrives
from any of its abysses
doesn’t recognize the State or Civil Society
breaks the Code of Waters
screams
like a bitch
anew
in front of Alvorada’s Palace.
and only after
reconsiders: kisses
the eyes of the underpaid
cradles
the ones who are thirsty for freedom
and justice.
And promises to burn down the country.