domingos guimaraens

DOMINGOS GUIMARAENS

UM ÉPICO

entro numa farmácia
tenho 30 anos
entro para pedir um remédio
para calvície
não que seja calvo
mas um certo medo precoce
da idade
uma vaidade que a invenção
do espelho
nos impôs

não é culpa do espelho
antes todo mundo queria ser velho
logo
hoje todo mundo quer ser jovem
sempre

o fato é que peço o remédio
para calvície
o atendente é mais novo que eu
e careca
durante alguns segundo me olha
descrente
pega o remédio
pergunta se eu tenho o cartão de desconto
segue o protocolo
e me entrega o remédio
descrente

vou andando pela rua
de uma terra inventada
de uma terra sonhada
e olho o mundo que passa
de carro
bicicletas
skate
patins
para que tanta roda meu Deus?
o mundo passa
descrente
o meu remédio para calvície
sacoleja líquido na bolsa plástica
pedi para o atendente
não me entregar a bolsa plástica
mas ele seguiu o protocolo
descrente

olho a bolsa plástica
e penso no continente de plástico
que bóia hoje no meio do pacífico
deserto de polímeros
lembro dos pássaros
encontrados mortos
com bolsas plásticas
no estômago
sempre me sinto um assassino
de pássaros
quando carrego uma bolsa
plástica
matador de passarinho

sigo andando
e lembrando
que não é de hoje
que me sinto assim
assassino
no primário uma professora
me olhou fundo nos olhos
com olhos lacrimosos
por uma vírgula
comida
ela contou que na Segunda Guerra
um batalhão avançado perguntou
se deviam matar prisioneiros de guerra
NÃO TENHAM PIEDADE!
foi a resposta
mataram todos
mas faltou a vírgula
não, (vírgula)
tenham piedade.
Não era para matar ninguém
Sempre que erro uma vírgula
me sinto um assassino
um criminoso
de guerra
as vírgulas
balas perdidas
assassinando as frases

e um carro freia forte
assovia borracha no asfalto
buzina
me xinga
eu no meio da rua
distraído pelo plástico
pela vírgula

meu primo sempre diz
que eu não tenho medo
dos carros
para mim parecem mesmo
burrinhos pacatos
ruminando pixe
mas não são
alguns não freiam
outros comem pixe
ou melhor
petróleo
e os pássaros
com plástico no estômago
cobertos de petróleo
num acidente
ecológico
e os peixes tentando respirar
na superfície pastosa
deserto de pixes
andar de carro
é ser um assassino
de peixes

tenho 30 anos
me chamo Domingos
sou um dia inútil da semana
caminhando pela utilidade dos dias
as inutilezas que salvarão o mundo
a preguiça de um domingo
que salvará o mundo

sou Domingos
me chamam Dodô
sou uma ave extinta
de uma terra inventada
uma terra sonhada
num domingo de sol
quando Deus cochilou
inventaram o Brasil.

AN EPIC

I go inside a drugstore
I am thirty years old
I go inside to order a medicine
for baldness
not that I am bald
but a certain precocious fear
of my age
a vanity that the mirror’s
invention
imposed

it’s not the mirror’s fault
everyone longed to be old before
thus
everyone longs to be young nowadays
always

the fact is I order the medicine
for baldness
the attendant is younger than me
and bald
for a few seconds he looks at me
unbelieving
takes the medicine
asks if I have a discount card
follows protocol
and hands me the medicine
unbelieving

I walk down the street
of an invented land
of a dreamed land
and I look at everyone that goes by
in a car
bycicles
skate
rollerblade
why so many wheels dear Lord?
the world goes by
unbelieving
my baldness medicine
sways liquid in the plastic bag
I asked the attendant
not to hand me the plastic bag
but he followed protocol
unbelieving

I look at the plastic bag
and think of the plastic continent
that floats today in the pacific
a desert of polymers
I remember the birds
found dead
with plastic bags
in their stomach
I always feel like a murderer
of birds
when I carry plastic
bags
matador de passarinho

I walk on
and remember
It’s not recent
that I feel as such
a murderer
in elementary school a teacher
looked me deep in the eyes
because of a swallowed up
comma
she told me that in the Second World War
an advanced batallion asked
whether they should kill prisoners of war
NO MERCY!
came the reply
they killed them all
for lack of a comma
no, (comma)
mercy.
They weren’t supposed to kill
Everytime I misplace a comma
I feel like a murderer
a war
criminal
the commas
stray bullets
murdering sentences

a car brakes hard
whistles rubber on asphalt
honks
curses me
I in the middle of the street
distracted by plastic
by comma

my cousin always says
I am not afraid of cars
to me they are like
peaceful donkeys
ruminating tar
but they are not
some do not brake
others eat tar
or rather
oil
and the birds
with plastic in their stomach
covered in oil
in an evironmental
accident
and the fish trying to breath
on the gooey surface
desert of tar
to drive a car
is to be a murderer
of fish

I am thirty years old
I am called Domingos
I am a useless day of the week
walking by the usefulness of days
inutilities that will save the world
Sunday laziness
that will save the world

I am Domingos
People call me Dodo
an extinct bird
from an invented land
a dreamed land
on a sunny Sunday
when God took a nap
they invented Brazil.

—translated by miguel conde
Miguel Conde is an editor and critic born in Rio de Janeiro in 1981. His articles, essays and book reviews have been published by Brazilian and international publications such as “O Globo”, “Folha de S. Paulo”, “Literary Hub” and “Arcadia”. He was the curator for two editions of Flip, the international literary festival at Paraty, and a Visiting Research Fellow at Brown University. He received his PhD in Literature and Contemporary Culture from PUC-Rio in 2017 and currently works as the book review editor at Words Without Borders.
Domingos Guimaraens is a poet and visual artist born in Rio de Janeiro (1979). He has published the books A Gema do Sol and Amoramérica, with the 7Novos collective, both from Editora 7letras. He also works with the art collective OPAVIVARÁ! He received his PhD in Literature and Contemporary Culture from PUC-Rio in 2014 and teaches poetry workshops at PUC-Rio. www.opavivara.com.br / www.ossetenovos.org