camila assad & ian uviedo

CAMILA ASSAD & IAN UVIEDO

PORQUE SIM / BECAUSE I SAID SO

BECAUSE I SAID SO (by camila assad)

because before sleeping
the word gets denser
and then
the mattress screams my weight
and if I shriveled my back
and some vertebrae broke
if I were closed as an armadillo
or if I rehearsed contortion
with the ladies at the kromitz brothers’ circus
or if my lower limbs were cut off
or the upper ones
even so the nightly coils in my bed would scream
saying another day
another day
another day?
Because I said so
if my lips were glued shut
with arts and crafts superglue
and if my tastebuds were fucked up
and my mouth cavity were scraped
ripping my soft tongue with a thin knife
and if my little notebooks were ripped
even so there would be a river stuck in your pupils
storing all vocabulary of lusophone lovers
consequently very sad
because I said so
dark matter is first seen from the inside
I accept gravity as the only possible law
I take care of inert bodies with sponges during long baths
the movement
is outside in
but even if it were the opposite
I wouldn’t change a thing
even if they were circular
I wouldn’t change a thing
because I said so
your speech is riled up like the long talons
of the orange cat in my cerebellum
I think it hurts
I think it gives me vertigo
but it helps distinguishing business days
and days with too much sunday
because I said so

and now the Alexander III bridge is emptied
I eliminate the vestige of my humanity
I clean with brand new cloth my disappointment in dying
knowing that I will never be able to lick my own shoulder blades
because I said so
and now Aricanduva Avenue is also emptied
Atalaia’s shore
Gas Station Six
and the kiosks
I go back to that cul-de-sac
where you said
it is here
I was here before
maybe in a dream
because I said so
it is night
I inaugurate an obsolete vanguard
I feel cold
It is useless
a hiccup doesn’t scare me
because I said so
if the word right were eliminated
I would still fail writing with my left hand
and if the word tear were crossed out from my dictionaries
I would yet make use of discreet crying or not that much
if the word map were omitted
I would still be able to find myself
I would still be able to lose myself
because I said so
and now that Rialto bridge is emptied
I erase again the marks of my humanity
and smear with white papers the old disappointment in dying
knowing that I will never be able to lick my own shoulder blades
because I said so
dark matter is first seen from the inside
I refuse gravity as the only law available
the movement is inside out
but even if it were the opposite

I wouldn’t change a thing
even if they were circular
I wouldn’t change a thing
because I said so

PORQUE SIM (por camilla assad)

porque antes de dormir
a palavra fica mais densa
e então
o colchão grita meu peso
e se eu encolhesse o dorso
e se me quebrassem algumas vértebras
se me fechassem como um tatu
ou se eu ensaiasse contorcionismos
com as donzelas do circo dos irmãos kromitz
ou me cortassem os membros inferiores
ou me cortassem os superiores
ainda assim berrariam as molas soturnas da minha cama
dizendo mais um dia
mais um dia
mais um dia?
porque sim
e se me colassem os lábios
com supercola de fazer artesanato
e se me fodessem o sistema gustativo
me raspassem as cavidades bucais
arrancando com faca fina a língua mole
e me rasgassem os caderninhos
ainda assim haveria um rio preso nas suas pupilas
guardando todo o vocabulário dos amantes lusófonos
e por consequência muito tristes
porque sim
a matéria escura é vista primeiro pelo lado de dentro
eu aceito a gravidade como a única lei possível
dos corpos inertes cuido com esponjas vegetais em banhos longos
o movimento
é de fora pra dentro
mas ainda que fosse ao contrário
não mudaria nada
ainda que fossem circulares
não mudaria nada
porque sim
sua fala fica cravada como as garras compridas
do gato laranja no meu cerebelo

acho que dói
acho que me dá vertigens
mas ajuda a distinguir os dias úteis
daqueles dias de muito sol
porque sim
e agora que se esvazia a ponte Alexandre III
eu elimino os vestígios da minha humanidade
eu limpo com panos frescos a decepção de morrer
sabendo que eu jamais poderei lamber as minhas próprias omoplatas
porque sim
e agora que se esvazia também a Avenida Aricanduva
a Orla de Atalaia
o Posto Seis
e os quioscos de prensa
eu volto para aquela travessa sem saída
onde você disse
é aqui
é aqui que eu já estive antes
talvez num sonho
porque sim
é noite
e eu inauguro uma vanguarda já obsoleta
sinto frio
é inútil
soluço não assusta
porque sim
e se eliminassem a palavra destra
eu continuaria falhando em escrever com a mão esquerda
e se riscassem a palavra lágrima dos meus dicionários
eu ainda usaria choros discretos ou nem tanto
e se omitissem a palavra mapa
eu ainda conseguiria me encontrar
eu ainda conseguiria me perder
porque sim
e agora que se esvazia a ponte de Rialto
eu apago novamente as marcas da minha humanidade
eu sujo com papéis alvos a antiga decepção de morrer
sabendo que eu jamais poderei lamber as próprias omoplatas
porque sim
a matéria escura é vista primeira pelo lado de dentro
refuto a gravidade como a única lei possível
o movimento é de dentro pra fora
mas ainda que fosse ao contrário

não mudaria nada
ainda que fossem circulares
não mudaria nada
porque sim

—translated by rodrigo bravo

UMA CABEÇA GIRAVA O MUNDO / A HEAD HAS TURNED THE WORLD

A HEAD HAS TURNED THE WORLD (by camila assad)

how many cities travel through you
step by step
even before you break into the thousands
of homes that belong to and wait for you

yes
it is really needed to put on shoes
lest you spend on the stone
a skin that wears away from touch

inside the bus the days travel seated
between shoulders
tunnels
sewer
coins
thoughts a child
an adult
shapes the city
an unprecedented silence
steep streets
empty parks
now shape the city

where even yesterday

a head balanced the world
a head turned the world

in the shadow of those who watched us
sitting
and on the beams hung the bodies
of one
for all

the limbo of the streets
under your kitchen sink
risk fourteen
fifteen
sixteen days on the calendar
your feet wrapped in prayers and laces
the blind sun burning my face
with the black light of your silences

sewing secrets
while your feet kiss the last step
the dirty of your white
suicidal blinds
the balconies
the windows open

we are so suffocated

on tv commentators in suits
advertisements
and the remorse of existing
words coming in bullets
but no one bleeds
none reach us

the streets are always leading us
and sometimes it’s like questioning
the pricks on the corner

to our own existence

UMA CABEÇA GIRAVA O MUNDO (por camila assad)

quantas cidades te percorrem
passo a passo
antes mesmo de adentrar os mil lares
que te pertencem e te aguardam

sim
é mesmo preciso calçar os sapatos
para que não se gaste na pedra
uma pele que se lixa longe do tato

dentro do ônibus os dias viajam sentados
em meio a ombros
túneis
esgoto
moedas
pensamentos
uma criança
um adulto
modelam a cidade
um silêncio inédito
ruas íngremes
parques vazios
agora modelam a cidade

onde ainda ontem

uma cabeça balançava o mundo
uma cabeça girava o mundo

e correndo na grama
à sombra daqueles que nos assistiam
sentados
e nas traves pendiam os corpos
de um
de todos

o limbo das ruas
sob a pia da sua cozinha
risco catorze
quinze
dezesseis dias no calendário
teus pés envoltos em orações e cadarços
o sol cego queimando meu rosto
com a luz negra dos teus silêncios

costuro segredos
enquanto teus pés beijam o último degrau
o sujo do teu branco
suicidas persianas
as varandas
as janelas se abrem

estamos tão sufocados

na tv comentaristas engravatados
anúncios
e o remorso de existir
as palavras vindo em balas
mas nenhuma sangra
nenhuma nos atinge

as ruas estão sempre nos conduzindo
e por vezes é como se indagássemos
na paus das esquinas

a nossa própria existência

—translated by sean negus
Camila Assad was born in 1988 in Presidente Prudente, Brazil. She is a hillbilly with pride and a non-practicing millennial. She studied architecture, literature, translation and even has a poet’s diploma from Casa das Rosas in São Paulo where she currently lives. She is the author of the books Cumulonimbus (2016), I can’t stop dying (2019) and Desterro (2019).